O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento do REsp 2.142.834, analisou uma situação bastante comum nas sociedades empresariais e profissionais: a saída de um sócio e o cálculo do valor a ser pago por sua participação, o que chamamos de apuração de haveres.
No caso julgado, uma advogada decidiu deixar a sociedade de advogados da qual fazia parte e pleiteou receber suas cotas pelo valor de mercado da empresa, levando em consideração aspectos intangíveis como a clientela, a reputação do escritório e até mesmo os lucros futuros esperados. Por outro lado, os sócios que permaneceram no escritório defenderam que o contrato social era claro ao estipular que, em caso de retirada de sócio, o pagamento deveria ser feito com base no valor nominal das cotas – ou seja, o valor originalmente investido por ela, sem qualquer valorização posterior. Esse impasse – valor de mercado versus valor nominal – levou o caso ao STJ.
A 3ª Turma do Tribunal deu razão aos sócios remanescentes, reforçando que, quando existe previsão contratual válida e expressa, ela deve prevalecer. Os ministros destacaram que, especialmente no caso de sociedades simples, como as de advogados, não se aplica a lógica típica de empresas com fins comerciais, como a valorização baseada em clientela, reputação ou fundo de comércio. Em outras palavras, nessas sociedades formadas por profissionais liberais, não se presume que exista um “valor de mercado” que deva ser pago ao sócio que se retira. Se o contrato social determina um critério específico – como o valor nominal das cotas –, é esse o critério que deve ser seguido. O STJ reforçou a importância da autonomia privada, isto é, a liberdade que os sócios têm de estabelecer suas próprias regras, desde que dentro dos limites legais. E mais: afirmou que a segurança jurídica exige que o Judiciário respeite o que foi ajustado de forma válida e clara pelas partes, sem permitir interpretações que modifiquem o combinado.
É importante lembrar que, na ausência de cláusula específica sobre a forma de cálculo dos haveres, a legislação supletiva se aplica. Nesses casos, o Código de Processo Civil determina que o valor da participação do sócio seja apurado com base em um balanço de determinação, considerando os ativos da empresa a valor de mercado na data da saída. Ou seja, se não houver acordo expresso, a lei tende a proteger a noção de valor real da empresa, possivelmente incluindo clientela e outros bens intangíveis. Mas o ponto central trazido por essa decisão do STJ é claro: havendo previsão contratual válida, ela se sobrepõe. Vale o que foi combinado.
Esse posicionamento reforça a segurança jurídica nas relações societárias e mostra que os tribunais estão atentos à vontade previamente ajustada entre os sócios, desde que expressa em contrato. Ainda que o caso tenha envolvido uma sociedade simples, o entendimento segue a mesma lógica válida para empresas limitadas e até sociedades anônimas. Hoje, cláusulas sobre valuation, regras de entrada e saída de sócios, sucessão e resolução de conflitos internos são cada vez mais valorizadas e respeitadas pelos tribunais. Ter essas definições claras e por escrito reduz significativamente o risco de litígios e protege tanto a sociedade quanto seus membros. O STJ foi categórico: contratos celebrados validamente devem ser cumpridos conforme pactuado, sem espaço para revisões unilaterais ou interpretações oportunistas.
Para os empresários, empreendedores e profissionais que atuam em sociedades, essa decisão serve como alerta: é essencial revisar os documentos societários para garantir que contenham cláusulas claras sobre a retirada de sócios e o cálculo de haveres. Caso essas cláusulas não existam, o ideal é providenciar sua inclusão, detalhando se o pagamento será feito com base no valor nominal, valor de mercado ou outro critério. Também é importante definir, conforme a natureza da empresa, se serão considerados elementos como clientela, marca, reputação e lucros futuros. A atualização periódica desses documentos também é recomendável, especialmente em contextos de crescimento da empresa ou mudanças na composição societária.
Em caso de dúvidas sobre a redação do contrato social ou do acordo de sócios, nossa equipe está à disposição para orientar a melhor forma de proteger os interesses da empresa e de seus sócios, garantindo segurança jurídica e prevenindo conflitos futuros.
Por Julia de Carvalho Voltani Boaes