A Lei nº 13.775/2018 introduziu no ordenamento jurídico a chamada duplicata escritural, um instrumento criado para digitalizar e conferir mais segurança e rastreabilidade às operações de crédito que envolvem a emissão de duplicatas. A duplicata, tradicionalmente emitida em papel ou por meios informais, passará a ser formalmente registrada em sistema eletrônico próprio, administrado por entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil.
A duplicata escritural é um título de crédito nominativo, que dispensa a existência de qualquer documento físico, e cuja validade depende da escrituração eletrônica em entidade autorizada, denominada “escrituradora”. Essa entidade deve ser habilitada junto ao Banco Central, possuindo exigências específicas ao exercício de sua atividade, como comprovação de capacidade técnica, patrimônio mínimo, observância de regulamentos internos e indicação formal de responsável técnico.
A nova sistemática implica uma série de obrigações para as empresas que emitem ou negociam duplicatas. A primeira delas é que toda duplicata usada como crédito deverá ser registrada. Isso significa que, para que um agente financiador (instituição financeira, FIDC e outros) tenha acesso ao crédito representado por essas duplicatas, será necessário que o sacado tenha dado consentimento prévio para a cessão — seja por meio de aceite formal, seja por meio de integração dos sistemas.
Além disso, os contratos que derem origem às duplicatas também deverão ser registrados. A empresa deverá fornecer à escrituradora todas as informações pertinentes, inclusive dos contratos subjacentes às operações mercantis, de forma a permitir a emissão e rastreamento da duplicata em meio eletrônico. É possível, inclusive, prever a emissão automática da duplicata com base nas notas fiscais emitidas.
O aceite eletrônico da duplicata pelo sacado passa a ser etapa essencial do processo, garantindo sua regularidade e posterior exigibilidade. O pagamento deverá ser realizado exclusivamente ao credor legítimo, conforme constar nos registros atualizados da registradora, sob pena de o pagamento não ser considerado válido (ou seja, não terá efeito liberatório).
Outro aspecto relevante é a centralização das informações: independentemente de quem seja o escriturador, o sacado deverá ter acesso unificado, via internet ou aplicativos, a todas as duplicatas contra ele emitidas — inclusive com funcionalidades de aceite, justificativa de recusa, e confirmação de liquidação. A cobrança de tarifas pelo acesso do sacado a essas informações é vedada.
Com o avanço da digitalização, a duplicata escritural também ganha força como instrumento de lastro para operações financeiras, como cessões fiduciárias, antecipações de recebíveis e financiamentos com garantia. A certificação de titularidade e a existência de ônus ou gravames agora são realizadas diretamente no ambiente das registradoras, conferindo maior segurança jurídica às operações e desonerando o uso de cartórios para esses fins.
Além disso, os extratos emitidos pelas registradoras passam a ter força de título executivo extrajudicial, podendo embasar ações de cobrança mesmo na ausência do título físico.
A duplicata escritural representa, portanto, um novo paradigma nas relações comerciais brasileiras, exigindo adequação dos fluxos contratuais, operacionais e financeiros das empresas. A adaptação é inevitável — e a organização antecipada desses processos é essencial para garantir conformidade, evitar riscos jurídicos e manter a competitividade no mercado de crédito.
Embora a lei tenha sido publicada em 2018, sua eficácia plena e operacionalização integral está prevista para janeiro de 2028 quando o último grupo deverá realizar a adesão obrigatória nos termos do cronograma de implementação.
O cronograma para a implementação segue principalmente as diretrizes previstas na Resolução BCB nº 339 e na Resolução CMN nº 4.815. O primeiro passo é a conclusão e validação do ambiente de interoperabilidade. Após essa etapa, contam-se prazos distintos conforme o porte das empresas: 180 dias para grandes empresas, 360 dias para médias e 540 dias para as demais.
Vale destacar que esses prazos são direcionados especificamente às Instituições Financeiras sob regulação do Banco Central. No caso das operações envolvendo FIDCs, ainda é necessário um alinhamento normativo com a CVM, que não emitiu regra definitiva sobre o assunto. Por isso, é possível que, por um tempo, a Duplicata Mercantil (inclusive em formato digital) continue coexistindo com a Duplicata Escritural.
Tal cronograma foi elaborado em razão da necessidade de implementação de sistema de infraestrutura, o que demanda tempo e investimento, bem como diante da necessidade de regulamentação específica pelo Banco Central, adaptação do mercado e adoção pelas empresas.
Nosso escritório está acompanhando de perto essa transição, e permanece à disposição para esclarecimentos, estruturação de fluxos operacionais e implementação da duplicata escritural conforme as exigências legais e regulamentares.
Por Julia de Carvalho Voltani Boaes