Como evitar a caracterização de vínculo empregatício em contratos com pessoas jurídicas 

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O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a licitude da contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas para a prestação de serviços, prática conhecida como “pejotização”. Esse tipo de contrato é comum em diversos setores da economia e, atualmente, é utilizado como forma de conferir maior flexibilidade às relações de trabalho e otimizar a gestão de custos empresariais. 

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 324 e o RE 958.252 (Tema 725 de Repercussão Geral), reconheceu a constitucionalidade da terceirização em qualquer etapa do processo produtivo, inclusive na atividade-fim, desde que respeitados os direitos trabalhistas e a autonomia contratual. Essa decisão reforçava a possibilidade de contratações empresariais lícitas, desde que não configurassem fraude à legislação trabalhista. 

No entanto, diante do elevado número de recursos contra decisões da Justiça do Trabalho que, em diferentes instâncias, não aplicam de forma uniforme o entendimento já firmado pela Corte, o Plenário do STF decidiu reconhecer, por maioria, a repercussão geral da matéria no ARE 1532603 (Tema 1389). Segundo o Ministro Gilmar Mendes, “o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”. Com isso, a decisão de mérito que vier a ser proferida pelo STF deverá ser observada por todos os tribunais do país, uniformizando o entendimento sobre a constitucionalidade e os limites da pejotização. 

Nesse contexto, compreender os requisitos legais e as melhores práticas diárias na contratação de pessoas jurídicas torna-se ainda mais crucial para as empresas contratantes. Embora todos os processos nacionais sobre essa modalidade de trabalho tenham sido suspensos, é importante que as empresas adotem medidas preventivas para reduzir riscos jurídicos futuros, especialmente relacionados ao reconhecimento judicial de vínculo empregatício ou à eventual fraude em contratos de pejotização, que podem gerar consequências financeiras e tributárias significativas. 

A CLT, em seu artigo 3º, define empregado como a pessoa física que presta serviços de forma pessoal, não eventual, onerosa e sob subordinação. A presença cumulativa desses quatro elementos caracteriza a relação de emprego, independentemente da forma contratual adotada. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é pacífica ao afirmar que a realidade dos fatos prevalece sobre a forma, de modo que a constituição de pessoa jurídica pelo trabalhador não afasta, por si só, o vínculo empregatício quando presentes pessoalidade, subordinação e continuidade. 

Para que a contratação de pessoa jurídica seja legítima, o contrato deve refletir uma relação efetivamente autônoma e empresarial, sem subordinação típica de emprego. A prestação de serviços deve ocorrer com autonomia técnica e administrativa, permitindo que o contratado defina forma e meios de execução do trabalho, sem ordens diretas, horários fixos ou controle hierárquico. 

Além disso, é essencial que a pessoa jurídica possua estrutura empresarial mínima, como CNPJ ativo, emissão de notas fiscais, registro contábil e possibilidade de atender outros clientes, demonstrando independência econômica. O pagamento deve ocorrer mediante emissão de nota fiscal, com valores acordados previamente, sem qualquer menção a remuneração típica de empregado ou benefícios corporativos. 

A contratada não deve utilizar e-mail institucional, crachá, uniforme ou participar de reuniões internas como se fosse integrante do quadro de pessoal, evitando indícios de subordinação. Também é recomendável que não haja cláusulas de exclusividade que evidenciem dependência econômica. O contrato deve explicitar a atuação independente do prestador, com liberdade de horário, responsabilidade pelos próprios tributos e encargos, e possibilidade de substituição por terceiros de confiança, quando permitido pela natureza do serviço. 

Em síntese, a prevenção ao reconhecimento de vínculo empregatício exige planejamento contratual e coerência prática. Não basta um contrato formalmente correto: a realidade do dia a dia deve refletir autonomia e independência. Empresas devem manter políticas claras, separando prestadores de serviços de empregados, e treinar gestores para evitar condutas que caracterizem subordinação. 

Assim, a contratação de pessoas jurídicas pode ser uma estratégia eficiente e legítima, desde que utilizada de forma responsável e em conformidade com os princípios da boa-fé e da legalidade, promovendo eficiência empresarial e redução de custos sem violar direitos trabalhistas ou gerar passivo judicial. A segurança jurídica decorre da harmonia entre forma contratual, cláusulas pactuadas e realidade prática da prestação de serviços, elementos que, quando bem alinhados, afastam a presunção de vínculo empregatício e garantem relações negociais sólidas. 

Por Luiza Riquelme de Almeida 

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