O grupo da Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, visando uniformizar o entendimento sobre assuntos concernentes ao direito empresarial publicou recentemente nove novos enunciados após a aprovação em sessão realizada em 05 de agosto de 2019. Em especial atenção, trataremos neste informativo do enunciado III, que dispõe sobre a retirada de bens essenciais a atividade empresária após o stay period por credores fiduciários.
A alienação fiduciária trata-se, à grosso modo, de um modelo de garantia em que a propriedade de bem móvel ou imóvel é transferida ao credor como garantia de pagamento e a posse da coisa dada fica, em regra, com o devedor.
Neste tipo de garantia, após adimplida a obrigação, consolida-se a propriedade em nome do ex devedor ao passo que em caso de inadimplemento a lei prevê mecanismos para a satisfação do crédito garantido.
Umas das grandes vantagens oferecidas pela alienação fiduciária é a não submissão dos credores fiduciários aos efeitos do processo de recuperação judicial (artigo 49, §3º da lei 11.101/2005), ou seja, o credor poderá prosseguir com o direito de exigir e executar o crédito garantido pela alienação fiduciária independentemente da existência de recuperação judicial da devedora.
Noutro ponto, a lei de recuperação judicial (lei 11.101/2005) em seu artigo 6º estabelece um limite temporal, denominado no jargão do mercado de stay period. Trata-se do período de 180 dias contados do deferimento da recuperação judicial, em que há a suspensão das ações e execuções movidas em face da recuperanda, reestabelecendo após esse prazo o direito dos credores iniciar ou continuar perquirindo seus direitos judicialmente.
Ocorre que, muito embora aos credores com alienação fiduciária não se apliquem a exigência de suspensão das ações e execuções, a lei de Recuperação Judicial no art. 49, §3º estabelece a limitação no que se trata da vedação durante o prazo de stay period de retirada do estabelecimento do devedor dos bens e capitais essenciais para a atividade empresarial.
Neste sentido, e em razão da existência da limitação supramencionada, alguns recursos levados ao Tribunal de Justiça de São Paulo pleiteavam a impossibilidade de retirada do estabelecimento do devedor de bens e de capitais essenciais a atividade empresarial do devedor mesmo depois do prazo de suspensão, tudo com base no princípio da continuidade da atividade empresária e da função social da empresa.
Frente a este quadro, o TJSP enunciou o entendimento consolidado de que o período restritivo de expropriação dos bens essenciais dados em garantia fiduciária somente se aplicaria durante o stay period (180 dias a contar do deferimento da recuperação), podendo serem retomadas ao fim da suspensão.
Este entendimento facilita o exercício do credor fiduciário, que possui crédito privilegiado em razão da natureza creditória da alienação fiduciária de satisfazer o valor devido pela recuperanda.
Vale salientar, que embora este seja o entendimento uniforme do TJSP, o enunciado não possui efeito vinculante para os demais tribunais, servindo apenas, como orientação de julgamento para os juízes de primeiro grau.
Julia de Carvalho Voltani
Estagiária da área cível