Com a proximidade da entrada em vigor da reforma tributária do consumo, regulamentada pela Lei Complementar (“LC”) nº 214/2025, o ambiente empresarial se depara com um novo desafio que vai muito além da substituição de tributos. Trata-se do destino dos créditos acumulados de PIS, COFINS e ICMS — valores que hoje representam, para muitas companhias, parcelas expressivas do seu ativo fiscal.
O novo modelo, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), começa a ser implementado em 2026, com um período de transição que se estende até 2032/2033. Durante esses anos, o sistema antigo coexistirá com o novo, e é justamente nessa sobreposição que surgem as maiores incertezas: o que acontecerá com os créditos acumulados no regime atual?
Empresas de diferentes setores — especialmente indústrias e exportadoras — carregam volumosos estoques de créditos gerados em razão da não cumulatividade dos tributos atuais, de benefícios fiscais ou de decisões judiciais.
De acordo com o art. 378, da LC nº 214/2025, os saldos credores de PIS e COFINS permanecerão válidos, deverão estar devidamente registrados no ambiente do SPED contribuições e poderão ser compensados com a nova CBS ou, como ocorre hoje, com outros tributos federais, podendo inclusive ser ressarcidos em dinheiro.
Já os créditos de ICMS, cuja extinção definitiva está prevista para 2032, poderão ser compensados com o IBS, desde que sejam legítimos, devidamente escriturados e homologados pelo Estado de origem.
O aproveitamento desses créditos dependerá de um processo de homologação e de comunicação prévia ao Comitê Gestor do novo imposto — etapas conhecidamente lentas, complexas e sujeitas a variações entre os Estados.
Além disso, o prazo de restituição ou compensação poderá se estender por até 240 meses (ou 20 anos), com atualização pelo IPCA. Na prática, isso significa uma perda financeira expressiva para empresas que detêm créditos vultosos, pois o valor monetário tende a ser corroído pela inflação e pela defasagem em relação à taxa de juros utilizada pelo próprio Fisco (a SELIC).
A jurisprudência já reconhece que a correção monetária tem natureza de mera recomposição do valor da moeda — e que índices insuficientes representam verdadeiro esvaziamento patrimonial do crédito. O STJ, inclusive, reafirmou esse entendimento no Tema 905 dos recursos repetitivos, consolidando que a atualização deve refletir a inflação real do período para evitar prejuízos indevidos ao contribuinte.
Ainda assim, o que se observa é que, sob o novo modelo, os contribuintes poderão enfrentar um ciclo de restituição demasiadamente prolongado, submetido a controles múltiplos e com baixa liquidez. Esse quadro tende a gerar judicializações, aumento de custos operacionais e impactos diretos sobre o fluxo de caixa.
Além disso
com as novas exigências de escrituração e os diferentes critérios de aproveitamento, empresas precisarão investir em sistemas fiscais atualizados e equipe técnica especializada.
A ausência de um diagnóstico prévio dos créditos acumulados — verificando, por exemplo, se estão devidamente habilitados, homologados ou em discussão judicial — pode resultar em perdas definitivas de valores expressivos.
Esse contexto evidencia um paradoxo: a reforma tributária foi concebida com o propósito de simplificar e reduzir a litigiosidade, mas o tratamento conferido aos créditos acumulados pode, na prática, produzir o efeito contrário, complexificando a transição e onerando as empresas.
Diante desse cenário, torna-se essencial que os contribuintes atuem de forma proativa. O primeiro passo é mapear e auditar o estoque de créditos existentes, especialmente de ICMS e PIS/COFINS, distinguindo aqueles plenamente aproveitáveis dos que ainda dependem de regularização.
Na sequência, é recomendável simular cenários financeiros considerando os prazos e índices de atualização previstos para a compensação ou restituição, a fim de mensurar o impacto econômico e decidir a melhor estratégia — seja buscar a compensação antecipada, a transferência de créditos, ou mesmo aderir a programas de incentivo fiscal.
No fim das contas, o tema dos créditos acumulados no pós-reforma não é apenas uma questão técnica, mas estratégica. Ele exige visão integrada entre os departamentos tributário, contábil e financeiro, além de acompanhamento próximo da regulação complementar e das decisões administrativas e judiciais que virão.
Nosso time de Tributário permanece à disposição para prestar os esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários a respeito do tema.
Por Elaine Carvalho da Silva