As mudanças trazidas pela Reforma Tributária, que prevê a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IS (Imposto Seletivo), em substituição a ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, são de ordem estrutural e suscitam inúmeras dúvidas no meio empresarial.
Uma das maiores preocupações das empresas, independentemente do porte ou setor, é compreender como o novo sistema afetará a composição dos preços de bens e serviços.
Hoje, a sistemática de apuração envolve, em alguns casos, o chamado “cálculo por dentro”, em que alguns tributos são considerados na composição das suas próprias bases de cálculo. Isso torna difícil a identificação dos tributos suportados pelo adquirente na operação.
A reforma, por sua vez, propõe o cálculo “por fora”, com a alíquota destacada no documento fiscal — modelo semelhante ao já aplicado ao IPI. A mudança traz maior transparência ao consumidor, mas exige que empresas reestruturem sua formação de preços, especialmente durante a fase de transição, quando os dois sistemas conviverão simultaneamente.
O artigo 12, § 2º, V, da Lei Complementar (LC) nº 214/2025 prevê que, durante a fase de transição da reforma tributária, o ICMS e ISS, PIS/Pasep e contribuições previdenciárias não irão compor a base de cálculo do IBS e da CBS. Isso significa que, na composição do preço, deve-se apurar o valor líquido e incluir primeiro os impostos atuais e, em seguida, subtraí-los do valor total da operação, para definir a base de cálculo do IBS e CBS e aplicar a alíquota correspondente a esses novos impostos.
Se a não inserção do ICMS e do ISS na base de cálculo dos novos tributos é clara, encontrando-se expressamente prevista em lei, a exclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS não possuí previsão legal expressa e, embora, tais tributos sejam cobrados destacadamente, sendo o fornecedor mero agente de arrecadação, a definição desse critério é medida que se impõe.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/19 dispunha de forma expressa quanto à não inclusão do IBS e CBS na base de cálculo do ICMS e ISS durante o período de transição, entretanto, essa previsão foi suprimida do texto da Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 e viabilizou aos Estados e Municípios a defesa da tese segundo a qual prevaleceria a inclusão dos novos impostos na base de cálculo do ICMS e ISS.
Considerando que a base de cálculo desses novos tributos é o valor da operação de fornecimento/prestação de serviço, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 16/25 que visa reincluir de forma expressa na Lei, que o IBS e a CBS não integram a base de cálculo do ICMS, ISS e IPI durante o período de transição.
A aprovação desse PLP é considerada imprescindível para preservação da integridade da reforma e garantir a segurança jurídica do novo sistema, tendo em vista que, sem isso, haveria aumento disfarçado da carga tributária, o que contraria as intenções principais da reforma.
Embora o legislador complementar pudesse ter resolvido a questão prevendo expressamente, assim como o fez com as contribuições ao PIS e COFINS, que tais contribuições não devem ser consideradas na base de cálculo do IBS e da CBS, não nos parece possível legitimar a tese de que os novos tributos compõem a base do ICMS e do ISS.
A dimensão da materialidade desses tributos e os princípios que orientam à expressão dessa materialidade, à toda evidência, fornecem elementos suficientes à identificação de que o legislador não teve por interesse considerar tais tributos, novos tributos, na determinação da base de cálculo dos atuais, com efeitos econômicos perversos, notadamente em relação à repercussão desse ônus na cadeia de consumo.
Inserir o ICMS e o ISS na base de cálculo do IBS e da CBS contraria os próprios objetivos da reforma tributária e dos pressupostos que determinaram à estruturação da incidência desses novos tributos, no sentido de superarem controvérsias, senão dificuldades inerentes a neutralidade, simplicidade e transparência, princípios que suscitaram a substituição do ICMS e do ISS, pelo IBS e a CBS.
O ICMS permanece calculado “por dentro” apenas em relação a si mesmo, e o ISS mantém seu caráter cumulativo. Com alíquotas que podem chegar a 22% no ICMS e a 5% no ISS, erros na ordem de cálculo podem elevar preços, comprometer a competitividade e abrir espaço para autuações fiscais. Por isso, é indispensável que as empresas adaptem seus sistemas de faturamento e ERP, garantindo que cada tributo incida exclusivamente sobre sua própria base e evitando distorções logo no início da transição.
Além disso, custos de aquisição tendem a aumentar, pois operações antes isentas ou diferidas passam a ser tributadas.
Para lidar com esse cenário, será essencial mapear as operações de entrada que passarão a ser tributadas, simular os novos custos com base na alíquota efetiva de IBS e CBS, revisar a estrutura de capital de giro, renegociar contratos e reforçar a integração entre as áreas tributária, financeira e de suprimentos.
Assim, a reforma tributária não pode ser interpretada apenas como uma alteração tributária, haja vista que representa uma mudança estrutural nas operações empresariais. O desafio será migrar da visão restrita sobre carga tributária final para uma gestão ativa do fluxo de caixa tributário, tratando-o como variável estratégica na tomada de decisão.
Parte dessas questões ainda estão dependes de regulamentação, contudo, já está mais do que na hora de as empresas adotarem rotinas para simulação de cenários, a fim de fortalecer o seu planejamento financeiro e se preparar para a fase de transição.
Nosso time de Tributário permanece à disposição para prestar os esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários a respeito do tema.
Por Elaine Carvalho da Silva e Fábio Esteves Pedraza