Penhora de bem de família – Fiador – Legitimidade

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O bem de família é um instituto jurídico, orientado pelo princípio da dignidade humana, tendo como fundamento o direito fundamental à moradia, prevista em nosso ordenamento jurídico através da Lei nº 8.009/1990 e do Código Civil, nos artigos 1.711 a 1.722.

Diante disso, o bem de família goza de determinada proteção, não podendo ser objeto de constrição judicial, penhora, salvo se:

  • a execução é movida pelo titular do crédito relacionado ao financiamento para aquisição ou construção do próprio imóvel;
  • envolver a cobrança de créditos de natureza alimentar (pensão alimentícia, honorários advocatícios e salários);
  • cobrança de impostos relacionados ao bem, como IPTU e despesas condominiais;
  • o imóvel tiver sido oferecido como garantia real em hipoteca para benefício da família;
  • enfim, quando o imóvel, tutelado como bem de família, tiver sido adquirido como produto de crime; nas penalidades de ressarcimento de indenização ou perdimento de bens em sentença penal condenatória, bem como nas execuções de sentenças cíveis decorrentes de atos ilícitos.

Considerando que nas relações locatícias a prestação de uma garantia pessoal, fiança, é comumente utilizada a garantir as obrigações do locatário, geralmente obrigações vincendas, relacionadas à remuneração do uso do imóvel locado, o fiador assume de forma voluntária, o risco de inadimplemento.

Assim o sendo, em razão do fiador, garantidor, assumir o risco em relação ao dever de garantir obrigação inadimplida por terceiro, apresenta-se controvertida à eficácia da proteção jurídica do bem de família, quando o fiador, assumindo o dever de liquidar obrigação vincenda, caso inadimplida, posteriormente busca na proteção do bem de família uma justificativa ao não cumprimento da obrigação por ele garantida.

Embora o contrato de fiança seja, em regra, gratuito, não se configura como ato puramente altruístico, uma vez que o fiador poderá se sub-rogar ao crédito, por meio do direito de regresso contra o afiançado, conforme previsto no artigo 831 do Código Civil, na busca de reaver os valores pagos em razão do descumprimento contratual.

Diante do polêmico tema da penhorabilidade do bem de família do fiador, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o Tema 1.127 de Repercussão geral (RE 1.307.334/SP) reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1.091 (REsp 1.822.033/PR) e consolidado pela Súmula 549, entende que é constitucional, razoável e proporcional a penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação, sendo eles residenciais ou comerciais, pois tal constrição não fere o direito à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, tendo em vista que o fiador exercendo seu direito à livre iniciativa assume voluntariamente os riscos ao garantir o contrato, o que importaria inclusive em renúncia implícita, voluntária à proteção do seu bem de família.

O entendimento da Suprema Corte pondera aspectos sob o prisma da ordem econômica do direito, destacando que, sem essa possibilidade de penhora, a fiança perderia força como garantia, o que poderia impactar negativamente o mercado de locações, uma vez que o instituto da fiança não funcionaria tão bem como instrumento de segurança contratual prejudicando o fomento deste mercado e desestimulando o empreendedorismo.

Diante do exposto, é possível concluir que a penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação encontra constitucionalidade, pois tanto do STF quanto o STJ, consideram que tal medida não viola ou afronta o direito à moradia, mas sim decorre do exercício legítimo da autonomia privada, sendo fundamental que essa flexibilização seja aplicada com cautela, considerando as desigualdades sociais e os impactos concretos na vida dos fiadores, de modo a evitar que o exercício da autonomia privada comprometa direitos fundamentais.

Por Glícia Dougliane Paiva Espósito

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