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Covid-19, transação tributária e negócio jurídico processual: o que se esperar do futuro?

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Em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus – Covid 19, diversas tem sido as medidas adotadas no mundo e, especialmente no Brasil, no intuito de conter a expansão do vírus, e logo, diminuir os impactos por ele causados na sociedade e economia mundial, considerando que seus efeitos começaram a ser sentidos e, certamente, se propagarão para o futuro.
Nesse contexto, entre as várias medidas adotadas pelo Brasil no intuito de minimizar os efeitos da crise econômica iniciada com a disseminação do Covid-19 da China e estendida à outros países do globo e que, certamente tende a aumentar, destaca-se a recente publicação da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, resultado da conversão da Medida Provisória nº 899/19, dispondo sobre a transação tributária entre a União e seus devedores.
Entre as inovações trazidas pela nova lei, destaca-se o fim do voto de qualidade em caso de empate no julgamento do processo administrativo tributário federal, resolvendo-se a lide administrativa favoravelmente ao contribuinte. Embora instigante a discussão a respeito do tema, ela não será abordada no presente texto.
Pois bem. Há tempo se discutia sobre a regulamentação da transação tributária prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional – CTN, já que sua instituição estava condicionada a promulgação de lei ordinária, que até então não havia sido editada pela União Federal.
Embora a iniciativa de edição da referida norma tenha se iniciado em momento anterior à pandemia causada pelo Covid-19, com edição da MP nº 899/19 pautada na necessidade de ingresso de receitas no orçamento da União Federal, em razão da gravidade que se encontram as contas públicas, bem como a urgente necessidade de enfrentamento dos problemas do contencioso administrativo tributário, cujo estoque de processos apenas no Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), remonta a quantia de R$ 600 bilhões de reais, a sua rápida tramitação pelo Congresso Nacional e sanção pelo Presidente da República, demonstra uma preocupação do Estado brasileiro com os efeitos econômicos da pandemia que demanda urgentes medidas anticíclicas à sua mitigação.
Em ato continuo, por meio das Portarias nº 9.917/20 e nº 9.924/20, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional estabeleceu os procedimentos necessários para a transação de débitos inscritos em dívida ativa, assim como foram fixadas as condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União, em função dos efeitos da pandemia causada pelo Covid-19 na capacidade de geração de resultado dos devedores inscritos em dívida ativa.
Importante destacar que, antes mesmo da edição da MP nº 899/19, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional havia editado a Portaria nº 742/18, estabelecendo critérios para celebração de negócio jurídico processual – NJP em sede de execução fiscal, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.
A Portaria nº 742/18, embora editada antes da MP nº 899/19, convertida na Lei nº 13.988/20, parece ter criado uma espécie do gênero transação tributária, uma vez que apresenta características similares e ao mesmo tempo colidentes, embora suas disposições devam ser harmônicas e compatíveis, como reconhecido pelo artigo 14 da Portaria PGFN nº 9.917/201.
Como distinção entre esses instrumentos, é possível citar a vedação no NJP de redução do montante dos créditos inscritos, ao passo que na transação tributária há a concessão de descontos nas multas, juros de mora e encargos legais, sendo vedada a transação que implique redução superior a 50% (cinquenta por cento) do valor total dos créditos a serem transacionados.
Chama atenção também o prazo de moratória fixado em ambos os instrumentos. A Portaria nº 742/18, prescreve que o NJP terá vigência não superior a 120 (cento e vinte) meses, salvo autorização expressa da Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos, ao passo que a Lei nº 13.988/20 estipula que a transação não deve ser superior a 84 (oitenta e quatro) meses para pessoas jurídicas em geral, ou 145 (cento e quarenta e cinco) meses para pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte.
Ademais, a transação não será admitida quando tiver por objeto reduzir multas de natureza penal, conceder descontos a créditos do Simples Nacional, créditos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem assim envolva devedor contumaz, conforme definido em lei específica. No NJP tais vedações não forma previstas, estando inclusive expresso a sua aplicação, no que couber, à dívida ativa do FGTS2.
A transação tributária foi concebida para solucionar não apenas controvérsias que envolvam matérias relevantes, mas também para solucionar questões que envolvam débitos de difícil recuperação, em relação aos quais poderão ser concedidos descontos e, especialmente favorecer e auxiliar contribuintes com problemas econômicos transitórios, como vem ocorrendo com o impacto da Covid-19 na saúde financeira dos contribuintes.
Referida norma é orientada, entre outros, pelos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, que devem ser interpretados em seu contexto subjetivo, em relação à capacidade econômica do contribuinte pagar seu tributo. Assim, não obstante a obrigação de pagar tributos seja um dever do contribuinte necessário à manutenção do Estado Social (saúde, educação, etc.), faz-se possível que tal dever seja flexibilizado, em referência às circunstâncias atuais que afetam a sua capacidade econômica em cumprir com suas obrigações fiscais.
Nessa fase inicial, acredita-se que a adesão ao instituto da transação será mínima, seja pela falta de capacidade contributiva dos contribuintes para liquidação de suas obrigações tributárias, causada pelo impacto do Covid-19, seja em razão da necessidade de amadurecimento operacional do instituto, especialmente em relação a possibilidade ou não de cumular a transação com NJP em razão das peculiaridades que lhes são inerentes.
Como toda novidade, certamente o instituto da transação tributária será objeto de críticas, embora inegável que sua criação, somada ao NJP, representa um relevante avanço na relação entre fisco e contribuinte ao desburocratizar o sistema de cobrança da dívida tributária e facilitar o diálogo entre as partes da relação jurídica tributária.
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[1] Art. 14. Sem prejuízo da possibilidade de celebração de Negócio Jurídico Processual para equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União, nos termos da Portaria PGFN nº 742, de 21 de dezembro de 2018, é vedada a transação que: (….)

[2] Art. 15-A. O disposto nesta portaria é aplicável, no que couber, à dívida ativa do FGTS. (Incluído(a) pelo(a) Portaria PGFN nº 11956, de 27 de novembro de 2019).
Maciel da Silva Braz
OAB/SP 343.809

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